sábado, 30 de junho de 2012

Akobo: Uma aula de Cidadania nas eleições distritais


O sistema municipal aqui do Sudão do Sul é um pouco diferente do sistema adotado no Brasil. Aqui eles trabalham com o sistema de condado, ou “County” na definição em inglês. Akobo County é formado por nove vilas as quais são denominadas, na língua local, de Payan. Sendo que o Payan principal é a própria vila de Akobo onde está situada a nossa base da ONU, bem como a Prefeitura do Condado. 
O Prefeito, chamado de Commissioner, tem a responsabilidade administrativa sobre todo o Condado, porém, tendo em vista as distâncias (o Payan mais distante está a 100 km da vila de Akobo) e dificuldades de deslocamento entre os Payans, cada vila possui um administrador local, eleito pelo voto direto da população da vila, o qual trabalha como uma espécie de sub-prefeito e se liga direto ao Commissioner. 
Fiz esta pequena introdução para que os leitores possam entender o relato que farei a seguir. Hoje de manhã a vila de Akobo amanheceu com uma agitação fora do normal. Mas isso tinha uma razão especial, pois hoje ocorreu a eleição do sub-prefeito do Payan de Akobo. Nós tivemos a oportunidade de acompanhar o processo eleitoral juntamente com a polícia local e o exército, os quais estavam encarregados da segurança do evento. Na foto abaixo eu e o UNPOL Marlon das Filipinas junto com militares e um Policial local (camuflado em tom azul).

Na foto abaixo a equipe de UNPOLs presentes na eleição: Cap Marco, Samsong (Uganda), Jack (Filipinas) e o Team Leader Stephen (Uganda).
Foi uma experiência incrível, pois o sistema eleitoral adotados pelos sul-sudaneses neste tipo de eleição é muito interessante e transparente pela maneira como foi conduzido e pelo fato de ser voto aberto. Todo o processo eleitoral aconteceu nas dependências da Prefeitura de Akobo County. Havia dois candidatos, os quais ostentavam um cartaz com o seu nome e sentaram em uma cadeira um de frente para o outro, a uma distância de uns 20 metros entre si. À medida que os eleitores chegavam e acessavam o pátio da Prefeitura iam sentando em filas no chão atrás de seu candidato. Homens à esquerda do candidato e mulheres à direita em filas distintas (fotos abaixo).

O processo se estendeu pela manhã toda. Como duas torcidas organizadas, os eleitores entoavam canções e muitas vezes dançavam sem, no entanto, hostilizar os adversários políticos em nenhum momento. Ao final da manhã, a contagem dos votos foi feita de maneira visual pela comissão eleitoral, contando o número de pessoas sentadas atrás de cada candidato, sem qualquer tipo de cédula. A decisão foi proclamada e aceita por todos sem contestação, pois bastava olhar para os dois lados e ver quem tinha vencido (foto abaixo no momento da proclamação do resultado).




Fantástico pela simplicidade, rapidez e comportamento amistoso entre os partidários de cada candidato.

Uma verdadeira aula de cidadania!

domingo, 17 de junho de 2012

Sudão do Sul: Desafios da nova Nação africana

Este mapa representa um dos maiores desafios do governo do Sudão do Sul após a declaração de independência em 09 de julho de 2011: fazer com que o sentimento de nação supere o sentimento tribal. O país é divido em 39 grupos étnicos diferentes, os quais estão identificados pelas cores e nomes no lado esquerdo do mapa. O mapa também deixa bem claro que estes grupos étnicos possuem o seu próprio “território” dentro do país. Além disso, também possuem o seu próprio idioma o qual é utilizado nos diálogos do dia-a-dia em suas comunidades. Para se comunicarem entre os diferentes grupos eles utilizam o árabe, idioma aprendido de pai para filho e que a grande maioria fala, mas não sabe ler ou escrever em tal idioma. O inglês então, mesmo sendo declarado idioma oficial do país após a independência, só é falado por quem freqüentou a escola. E como vocês podem imaginar, o índice de freqüência escolar é muito baixo ainda. O inglês agora faz parte do currículo escolar nacional. É matéria obrigatória desde a primeira série do ensino fundamental. O resultado disso é que muitas vezes, durante nosso trabalho, conseguimos conversar em inglês de forma básica com as crianças e não conseguimos com seus pais. Cada grupo étnico possui também sinais característicos feitos no rosto dos homens quando estes atingem a idade de 15 anos, como um ritual de passagem para a idade adulta. Bom, alguém poderia pensar.....sinais tribais.....África...tudo certo! ERRADO... esta prática de marcação foi introduzida pelos ingleses durante o período colonial, pois eles tinham que saber com que tribo estavam tratando dos seus negócios por estas bandas. Após a partida dos europeus, os locais deram prosseguimento às marcações faciais, ação que o governo agora quer abolir através de campanhas de incentivo ao abandono desta prática. Uma tarefa difícil, pois existem casos de meninos que se marcam sozinhos, mesmo contra a vontade dos pais, pois querem se sentir adultos, eles querem parecer como os demais, ou seja, querem “deixar de ser criança” sob a ótica da cultura local. O abandono de práticas tradicionais, em qualquer parte do mundo, demanda tempo e conscientização do povo. O governo e as lideranças tribais estão fazendo a sua parte, buscando a cada dia, a cada reunião comunitária, a cada contato com o povo explicar as vantagens da abolição completa desta prática. O caminho a ser percorrido é longo, mas eles têm convicção e sabem onde querem chegar.