Hoje completam-se exatos 12 meses do terremoto que praticamente deixou a capital haitiana, Porto Príncipe, e cidade vizinhas em escombros. Muitas vidas se perderam, população local, missionários religiosos, integrantes de ONGs e quase uma centena de integrantes da Missão de Paz da ONU - MINUSTAH, como o Capitão Cleiton (Foto acima o 2° a partir da esq.), da Polícia Militar do Distrito Federal - PMDF. A homenagem aos brasileiros que tombaram no cumprimento do dever eu já prestei no texto publicado aqui blog há dois meses, no dia 02 de novembro, sob o título "Dia de Homenagear Heróis Brasileiros". Por isso reproduzo aqui o texto escrito pelo Capitão Carrera, da PMDF, publicado no seu Blog Missão de Paz.
"1 ano para refletir
1 ano. 12 de janeiro de 2010. Tarde brasileira. Trevas haitiana. Quando meus olhos se voltaram para o plantão de notícias da televisão pensei que se tratava de uma ilusão. Um pesadelo. Minha testa franzida, juntamente com a de mais outros tantos que se encontravam diante do aparelho, parecia não acreditar nas primeiras imagens e informações desencontradas que eram transmitidas. Demoraram alguns minutos até eu me dar conta dos fatos. Fiquei atordoado. Perdido. Sem saber bem o que fazer, busquei o meu laptop e a conexão via internet para contactar os amigos que estavam no Haiti. Um grande amigo de mais de uma década. Um amigo fiel e cumpadre. Policiais militares. Militares. Civis. Brasileiros. Estrangeiros. Amigos. Conhecidos. Nações Unidas. MINUSTAH. Porto Príncipe. Haiti. Rapidamente me conectei com alguns. Via email. Telefone. Passei a transmitir aos familiares e amigos as poucas mas aliviantes notícias. De vida. De sobrevivência. Um a um, sem considerar grau de importância, os nomes foram sendo confirmados. Sentimentos de conforto e apreensão se confundiam. Antagônicos. Complexos. Confusos. Apreensivos. Em algumas horas praticamente fui postando tudo que tomava conhecimento no blog. Viva a internet! Esperança. Os meus exatos 365 dias no Haiti me transportavam diretamente as imagens distorcidas da tragédia que eu via na mídia, recebia por email. Seria possível ter aquilo mesmo acontecido? – me questionava. O Hotel Christopher, Sede da Missão, estava em ruínas. Eu trabalhei por um ano ali. Naqueles destroços que infelizmente eu me recusava a acreditar. No transcurso da história da humanidade, 3 anos nada significam. Eu poderia estar lá. Eu queria estar lá. Não para ser herói. Não para dizer que estava. Eu queria estar lá para ajudar. Para ser útil. Para encontrar. Para fazer alguma coisa. Outros tantos também queriam. Amigos. Conhecidos. Sobreviventes. Impotência. Sentimento difícil de descrever. Dezenas de policiais militares prontamente se voluntariaram para embarcar imediatamente para o Haiti. A indiferença foi plena das “autoridades”. A mídia repercutiu a vontade. Das autoridades, o silêncio. Sequer cogitaram. Frustrante. Veteranos que atuaram na MINUSTAH. Que conheciam as ruas, vielas, o idioma, a cultura, a violência…seres humanos dispostos. Angustia pela procura por um amigo. Um amigo fiel. Um filho presente, amado. Um marido amável. Um pai impecável. Um profissional inquestionável. Um policial militar. Um diplomata por natureza. Um brasileiro. Revolta. Esperança. Deus. Ligações. Emails. Os sobreviventes passaram a ser heróis. Não por que quiseram ser. Mas porque assim foram ‘chamados’ para serem. Equipes brasileiras seguiam para o Haiti. Bombeiros Militares. Militares. Mas não policiais militares. Nem mesmo os veteranos. (Hoje não mais importa). E um policial militar brasileiro estava dentre os desaparecidos. A mídia não registrava. As autoridades não registravam. Não contabilizavam. Os dias passavam. Mas os amigos perpetuavam na divulgação de seu nome no Brasil e no mundo. Em português. Em inglês. Em francês. Em espanhol. Em alemão. No Haiti, outros tantos, inclusive policiais militares, não paravam de procurá-lo. Os dias se passavam. A dor amanhecia com o raiar do sol. Nem mesmo o anoitecer e as longas madrugadas eram capazes de acalmar os corações de quem o amava. A certeza e fé em Deus não permitiam desistências ou dúvidas. Força! Fé! Sua família no Brasil. Sua família no Haiti. Sobreviventes. Ascendentes. Descendente. Cônjuge. Amados. Eternos. 7 dias se passaram. As buscam continuavam. Implacáveis. Incessantes. Desgastantes. Mas ininterruptas. 8 dias de sofrimento. Uma ligação no meio da noite. Do Haiti. A confirmação da ruptura de uma linda história de vida, de amor, de respeito, de amizade, de persistência. Encontrado por um brasileiro. Um policial militar. Dor. Amargura. Sonho ou pesadelo? Desespero. Amigos. Família. A incumbência de informar. De confirmar o que todos se recusavam a cogitar. Castigo maior não deve existir. Nem ao inimigo se pode desejar tamanha carga. Ser forte quando se está fraco. Amigos. Família. No Brasil. No exterior. Perda. Indescritível. Imensurável. O que fazer? Sofrer. Relembrar. Orar. Parte da vida. Quem parte leva consigo um pouco de cada um de nós. Precisamos ser fortes. Temos que ser. Mas choramos como crianças. Inconsoláveis. Perdidos. Fraturados. Honras de herói. Os amigos jamais permitiriam, mesmo com a falta de sensibilidade de alguns, que qualquer momento de sua homenagem fosse posta em cheque. Que houvesse algum erro. Reconhecimento público. Digno. Belo. Triste. Impecável. Cada um que é merecedor algum episódio deve guardar em si o valor pelo aquilo que fez. As salvas de tiro atravessavam o coração de todos que ali estavam pelo que representou na vida de cada um. Viveu e partiu como um herói. 1 ano. Parece que foi ontem. Nas últimas semanas pensei no que escrever. Como escrever. O que escrever. Nada me veio a cabeça. Nenhuma linha. Hoje me sentei por alguns minutos e comecei a digitar. Como há exatos 365 dias. Poucos minutos. Sem retoques. Sem releituras. Sincero. Simplesmente o que estava na cabeça. Agora. O que me vem? Um sorriso enorme. Incentivador. Motivador. Feliz. Uma referência. Um apelido criado e somente usado por ele. Sonhos antigos compartilhamos. Entramos juntos na vida policial militar. 3 anos de Academia. Todos os dias. Por todo o dia. Trabalhamos juntos no Brasil. Trabalhamos juntos no Haiti. Dificuldades aqui e lá. Felicidades aqui e lá. Me visitou. Me ajudou no Brasil. Me ajudou no Haiti. Talvez eu também o tenha ajudado de alguma maneira. Um dia saberei. Ou não. Não importa. Eu aprendi. Ganhei. Recebi. Lembro-me da última vez que nos vimos. Fim de 2007. Saímos para jantar. Um restaurante francês no então charmoso bairro de Pétion-Ville. Lembranças. Conversas. Risadas. Perspectivas. Dúvidas. Fim de 2009. Algumas ligações. Lembranças. Conversas. Risadas. Perspectivas. Dúvidas. Um dia será eu. Um dia outro ente querido, amado. O que realmente importa é poder pensar em seu nome e somente lamentar sua prematura partida. Mas ao mesmo tempo rir de quem fez rir. Da alegria. Do bom humor. Do eterno carpe diem. Da família que ficou e foi incorporada por tantos. Do herdeiro que tanto com ele se assemelha. Lembranças. Sempre ótimas. Eu só tenho a agradecer. Que prazer. Obrigado por ter feito parte da minha vida. De nossas vidas. Merci mon ami Cleiton Batista Neiva. 12 de Janeiro de 2011.
“Carrier”
Nossas homenagens à memória de todos que perderam suas vidas nesta grande tragédia.
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