quinta-feira, 24 de maio de 2012

UNMISS: Tudo que você precisa saber sobre acomodações.

Uma das primeiras preocupações de um policial a serviço das Nações Unidas ao chegar em sua área de missão são as acomodações. Essa é uma pergunta que sempre me fazem: Tem alojamento? Bom, a resposta pode ser “sim” e “não”. Na maioria das vezes é “não”, mas isso não significa que você viverá melhor ou gastará menos caso receba alojamento da ONU. Tentarei explicar de forma resumida.
Não. As missões da Guiné Bissau, Haiti e Timor Leste não possuem acomodações nas bases. Todo o pessoal da ONU deve procurar local para morar. Normalmente são utilizadas casas ou hotéis, sendo que esta última opção é encontrada mais facilmente nas capitais. Já quem está no interior tem que se contentar com o que a região oferece. A escolha fica a critério do UNPOL e alguns parâmetros são estabelecidos como senso comum: Segurança, localização e preço. Se Você conseguir aliar todos, se considere uma pessoa de sorte. Nem sempre é possível. Logicamente a segurança vem em primeiro lugar.
Sim. A missão do Sudão do Sul oferece acomodações para o pessoal da ONU. Mas esta missão tem uma característica diferente. A pouca infra-estrutura do país não oferece condições de viver fora das bases da ONU, quer seja pelas condições das moradias ou principalmente pela questão de segurança. Por isso a missão moldou-se de forma a oferecer acomodações ao UN Staff. Encontramos alas residenciais em todas as bases.
Em Juba existem duas bases: a base ao lado do aeroporto, onde está localizado o alto comando da missão, e a nova base de Juba III. Esta foi recém inaugurada, localizada fora da zona urbana, para onde se transferiram a maioria das seções policiais e militares da capital. Em ambas temos alas residenciais com toda a estrutura sanitária necessária. A nova base de Juba III apresenta uma inovação: foram construídas casas de alvenaria tipo sobrado que podem abrigar 4 pessoas, ainda não foram inauguradas, mas estão prontas. Segundo informações o aluguel será em torno de 2.500 dólares. Na base do aeroporto existem aproximadamente cinco alas residenciais, sendo que quatro são de contêineres e uma de Barracas. Mesmo assim a fila de espera para um contêiner é de aproximadamente 6 meses. Ou seja, se você ficar na capital provavelmente enfrentará problemas. Na foto abaixo, um das alas residenciais da base do aeroporto.

Nas bases existentes nas 10 capitais Estaduais também encontramos alas residenciais, sendo que a fila de espera é menor ou, em alguns locais, existem contêineres disponíveis de imediato. Isso ocorre porque a maioria dos UNPOLs africanos, mais adaptados às condições do ambiente, moram fora das bases. Nas capitais também temos boas condições e estrutura sanitárias com banheiros coletivos. Na foto abaixo, parte da ala residencial da base de Bor, capital do Estado de Jonglei onde trabalho. No lado esquerdo vemos os banheiros coletivos e na direita os contêineres de moradia.

Existem contêineres tamanho standard para uma pessoa, bem como também existem contêineres um pouco maiores que abrigam duas pessoas com conforto, como os da foto acima. Todos os contêineres são equipados com cama, roupeiro, mesa, cadeiras, escrivaninha, frigobar e TV (alguns locais onde exista algum canal disponível ou sistema da TV a cabo). Se você ocupar um contêiner, a ONU desconta 21 dólares por dia das suas diárias. O que significa um aluguel de 630 dólares (mês de 30 dias) ou 651 dólares (mês de 31 dias). O valor é o mesmo se você está sozinho ou divide o contêiner com alguém. Normalmente policiais do mesmo país optam em moram juntos, pois dividem as tarefas da cozinha. Sim, aqui no Sudão do Sul você tem que preparar o seu próprio alimento. Embora existam restaurantes nas bases das capitais, fazer todas as refeições nestes locais acaba se tornando muito caro. Normalmente café e janta o pessoal faz no próprio contêiner.
Já se você for classificado em um CSB – County Support Base – que é o nome dado às bases da ONU localizadas nas cidades do interior, esteja preparado para morar em barracas dividindo o espaço com outros 4 ou 5 UNPOLs. Existem CSBs que possuem certa estrutura, principalmente os mais antigos. Eu conheço a realidade apenas de Akobo, mas sei que os outros CSBs não são muito diferentes. Em Akobo somos 10 UNPOLs dividindo 2 barracas. São 6 em uma e 4 em outra. Esta última barraca tem um número menor de UNPOLs porque também é utilizada como o nosso escritório. As barracas também são utilizadas como cozinha. Ambas possuem ar condicionado e ventilador de teto. No entanto, as condições sanitárias são precárias, pois temos banheiros coletivos, mas não temos sistema hidráulico. Ou seja, temos que tomar banho de balde e caneca, bem como usamos balde para dar descarga no banheiro (foto abaixo).

Também não temos água potável à disposição. Somos abastecidos duas vezes por semana com vôos da ONU que partem de Bor para Akobo com água tratada na Base de Bor. Bom, nem tudo são agruras nos CSBs. Devido ao fato de estarmos morando em barracas de uso coletivo, tipo alojamento (foto abaixo), a ONU não nos cobra nada por isso.

Ou seja, em dois meses de estadia em Akobo eu economizo 1.281 dólares, aproximadamente o valor de uma passagem, ida e volta, ao Brasil. Atualmente o valor da passagem está entre 1.400 a 1.700 dólares, dependendo da disponibilidade dos dias, rotas e empresas aéreas escolhidas. Ainda dentro deste tema, a ONU paga as despesas de viagem (passagens aéreas) apenas no começo e no final da missão. Todas as viagens realizadas nos períodos de folga durante a missão correm por conta do UNPOL. 
Uma última informação, para saciar a curiosidade de muitos, o valor da diária que a ONU nos paga aqui na Missão do Sudão do Sul é de 136 dólares. Sendo que no primeiro mês, tendo em vista despesas extras necessárias para o início da missão, a diária é de 188 dólares.

sábado, 12 de maio de 2012

UNMIT: Capitão Átila envia suas primeiras impressões sobre o Timor Leste

"O pais
Aqui não existe muita desigualdade social, pois aparentemente não há classes sociais muito distintas. Geograficamente o pais e lindo, montanhoso, repleto de florestas e com muitos campos de arroz irrigado, plantado manualmente pelos camponeses, maior parte da população. Existe a participação no comércio entre australianos, portugueses e alguns países orientais, especialmente com foco no petróleo do litoral e em contratos de construção de estradas, pontes e alimentação. Os australianos mantêm boas relações comerciais. Lideraram no passado a INTERFET e estão presentes com contingentes do seu exército na "International Stabilization Force", além de muitos integrantes da UNPOL. 

Cultura local 
Normalmente muitos problemas locais são solucionados com a intervenção dos chamados “chefes dos sucos” ou líderes tribais, com reuniões de conselhos tribais fora dos tribunais. Mas são pessoas humildes, respeitosas, honestas e servis. 

Nosso distrito: Baucau 
Moramos em casas locadas (geralmente dois colegas do mesmo país) ou nosso caso) em pousadas. A entrada da cidade fica no alto do platô e abaixo vemos a cidade nova, a vila com as vendinhas de telhas de zinco. Ao fundo vemos a usina de energia e no horizonte, ao leste, as montanhas. Suas florestas são preservadas e o povo vive em harmonia com a natureza no meio da selva equatorial. 

Dados Gerais
A economia luta pela recuperação, o que faz das províncias lugares toscos e com recursos escassos. Dados apontam para um território com 14.609 km quadrados, tendo como recursos naturais o ouro, petróleo, gás natural, manganês e mármore. A agricultura é, em regra, para a subsistência, importando-se muitos alimentos. Seu regime político é a república presidencialista, cuja capital é Dili. Nela vivem aproximadamente um terço da população - ou seja -, 300.000 pessoas. As demais se espalham por 13 distritos. São 98% católicos, além de muçulmanos, budistas e outras denominações. Tem a língua portuguesa como idioma oficial. Todavia, menos de 10% efetivamente fala o idioma. Aparentemente não há problemas com drogas ou crimes graves e a índole do povo é idônea. A expectativa de vida e próxima dos 56 anos, com mortalidade infantil em torno de 64 mortes a cada 1.000 nascimentos. Um dos motivos parece ser a débil resistência para doenças como dengue e malária. A fertilidade é bastante alta, atingindo 7.8 filhos por mulher, fazendo a população crescer 4.7% ao ano, algo hoje perto de 1.065.000 (estimativa). Essas mães geram filhos de uma etnia composta pela maioria austronésia (malaio-polinésia) e papua. Poucos imigrantes chineses, indonésios, se fazem notar. Sua subdivisão transparece ainda a existência de 65 subdistritos, compostos por 442 sucos (lideranças tribais regionais), com influência sobre 2.189 aldeias e, logicamente, sobre o processo eleitoral.

Capitão Átila Mesadri Pezzzeta
UNPOL - UNMIT - 2012 "

segunda-feira, 7 de maio de 2012

UNMISS: Um panorama sobre a Missão no Sudão do Sul

Na última sexta-feira, 06 de maio, de 2012, o Comando da Brigada Militar realizou um painel sobre a participação da Brigada Militar nas Missões de Paz das Nações Unidas. O evento aconteceu nas dependências da Academia de Polícia Militar, em Porto Alegre. A palestra de abertura foi proferida pelo veterano Boina Azul Coronel PMDF Nelson Werlang Garcia. Em continuidade ao evento, oficiais da Brigada Militar veteranos de missão puderam expor aos presentes as experiências adquiridas nas missões de El Salvador, Haiti, Kosovo, Guiné Bissau e Timor Leste. O painel foi abrilhantado, ainda, pela participação via skype, com som e imagem, do Capitão Ricardo Freitas da Silva, veterano do Haiti, e que agora encontra-se cedido às Nações unidas, desempenhando função junto ao Alto Comissariado dos Direitos Humanos em Genebra. Os problemas de internet aqui em Akobo - UNMISS - não permitiram minha participação ao vivo, mas enviei um texto e fotos para que o Capitão Osório pudesse dar algumas informações a respeito da Missão da ONU aqui no Sudão do Sul. O texto é o seguinte:
"Atualmente desempenho a função de United Nations Police – UNPOL - na Missão de Paz da ONU no Sudão do Sul, aonde cheguei no último dia 27 de março para uma estadia de 12 meses. Esta é minha segunda missão, pois estive no Haiti no período de junho de 2007 a junho de 2008. Esta experiência prévia está me possibilitando a comparação entre a estrutura das duas missões e a missão do UNPOL em cada país. E de fato são duas missões bem diferentes. A começar pelo fato de a UNMISS ser uma missão desarmada, ao contrário da MINUSTAH onde os UNPOLs portam o armamento que utilizam em país de origem. 
O Sudão do Sul é o mais novo país aceito na comunidade de nações. Conseguiu sua independência do Sudão em 09 de julho do ano passado, após mais de 20 anos de guerra civil. A separação foi decidida em um plebiscito onde a população escolheu, com mais de 90% dos votos, a independência. Mesmo com a independência sendo parte de um acordo de paz, a paz está longe de ser realidade na fronteira entre os dois países. O motivo é a demarcação da fronteira e a divisão dos campos de petróleo existentes na área. Uma semana antes da declaração oficial da independência do Sudão do Sul, o Sudão enviou tropas militares para a região de Abyei, rica em poços em atividade de extração, região que pelo acordo pertenceria ao sudão do Sul. Mesmo com a promessa de retirada, isso até hoje não ocorreu. Acirrando os ânimos na fronteira.
Durante a guerra civil o sul possuía uma milícia rebelde que lutou intensamente contra o domínio do norte. Após a independência esta milícia rebelde tornou-se o exército regular do Sudão do Sul. A polícia local é formada também por estes ex-rebeldes. Em 2006, após a assinatura do tratado de paz que iniciou o processo que culminou com a independência, o governo provisório do sul buscou nas fileiras da milícia rebelde voluntários para comporem o efetivo da recém criada SSPS – South Sudan Police Service. Ou seja, estes homens e mulheres anoiteceram rebeldes e amanheceram policiais, com todos os deveres e responsabilidades da função. Um sinal desta herança militar recente é que o fato de a polícia sul-sudanesa não usar revólveres, pistolas ou qualquer tipo de arma curta. Todos ostentam apenas os famosos AK-47.

Deste então a ONU vem treinando estes policiais de maneira direta, no transcorrer do serviço, no acompanhamento das atividades diárias, tentando passar o mínimo de conhecimento necessário para que estes desempenhem suas atividades com respeito as direitos humanos e com um mínimo de técnica policial. Nosso trabalho como Police Advisor, Conselheiro policial, é executar as atividades de treinamento da polícia sul - sudanesa. Este treinamento, embora padronizado pela ONU, difere de local para local, de acordo com a estrutura que encontramos, normalmente precária, e condições do efetivo policial. Essa atividade é denominada de “co-location”. 
Quanto à estrutura, a UNMISS possui um Quartel General na capital, Juba, e bases regionais nas capitais dos 10 Estados do Sudão do Sul. Cada Estado possui ainda, em média, três County Support Base – CSB. Que são bases avançadas em cidades do interior. Atualmente existem 28 CSB, mas o projeto é chegar em 42 até o início de 2013. Após o treinamento inicial (Induction Training), eu e o Capitão Jonas da PMSC, fomos designados para o CSB Akobo, cidade com aproximadamente 15 mil habitantes situada no Estado de Jonglei, na parte leste do país, na divisa com a Etiópia. Aqui em Akobo estamos a apenas 6 km da fronteira. Os desafios são grandes, a começar pelo idioma. Em todas as atividades externas precisamos do auxílio de um tradutor. Aqui em Akobo temos dois. O idioma oficial do Sudão do Sul, após a independência, é o inglês. No entanto, a população adulta fala somente o idioma de sua tribo e um pouco de árabe, com o qual todos conseguem se comunicar, resquícios do tempo em que faziam parte do Sudão do Norte e que é islâmico. O sul é católico. São mais de 30 tribos espalhadas pelo país. 
Nosso trabalho diário aqui em Akobo é acompanhar as atividades da polícia local, tanto no quartel central quanto nos postos de policiamento espalhados na região. Durante estes contatos com os policiais (foto acima) transmitimos o conhecimento através de conversas com pequenos grupos sobre diversos assuntos que englobam direitos humanos, direitos de pessoas presas, direitos de crianças e mulheres, uso da força, uso de algemas, busca pessoal, revista e prisão de suspeitos, preservação do local de crime, entre outros. Sempre seguindo o padrão de treinamento determinado pelas Nações Unidas. Não podemos realizar, por enquanto, um treinamento mais sofisticado, pois a maioria dos policiais são analfabetos, pelo menos aqui em akobo, mas a realidade do país não é muito diferente. Por isso o método da conversa se mostra o mais eficaz.
Com relação à estrutura da nossa base, ela é totalmente cercada, com guaritas nas extremidades, com guarda 24 hs executada por uma Companhia do Exército indiano. O efetivo UNPOL está alojado em duas barracas, com estrutura de ar condicionado e ventiladores de teto, sem os quais ficaria impossível permanecer no interior durante o dia, pois a temperatura ultrapassa os 45 graus facilmente. Recebemos semanalmente dois vôos de abastecimento, nos quais nos enviam água potável da capital do Estado. A água utilizada para banho, lavar roupas e lavar a louça é a mesma utilizada pela população local. E temos que buscá-la duas vezes ao dia em uma das bicas públicas existentes na cidade. Todo UNPOL designado para um CSB é orientado a trazer seus gêneros alimentícios que o possibilitem passar no mínimo um mês, sem a necessidade de compras. Nas bases existentes nas capitais existem restaurantes, mas nos CSB temos que preparar nossa própria alimentação. Outra dificuldade é que nossa energia elétrica é fornecida por geradores, os quais são desligados duas vezes ao dia (09:00 às 12:00 e das 16:00 às 19: hs) para economia de combustível. Temos banheiros, mas não temos sistema de água encanada. Se usar o banheiro tem que dar a descarga com um balde de água. Banho só de caneca. Mas isso faz parte da missão, já estamos plenamente acostumados.
Somos 09 UNPOLs aqui em Akobo. Dois brasileiros, dois Bósnios, dois de Uganda, dois das Filipinas e um da Turquia. O contato com estes policiais nos proporciona um conhecimento aprofundado de cada sistema policial nos diferentes países, como cada instituição policial trata determinado assunto, segundo sua cultura e lei nacional.
Tenho abastecido o facebook (facebook.com/cap.marco) com mais freqüência que o blog, pois é mais fácil para mim, devido aos problemas de conexão de internet. A ONU não autoriza o uso de seus computadores para fins particulares, sendo que sites como o MSN e Facebook estão bloqueados. Utilizamos aqui modens 3G que cada um teve que comprar na capital Juba. A velocidade de conexão gira em torno de 15 kbps, ou seja, para carregar uma foto de 250 kb, levo em torno de 5 minutos.
Boa tarde a todos!
Capitão Marco Morais – UNPOL
UNMISS - 2012"