segunda-feira, 7 de maio de 2012

UNMISS: Um panorama sobre a Missão no Sudão do Sul

Na última sexta-feira, 06 de maio, de 2012, o Comando da Brigada Militar realizou um painel sobre a participação da Brigada Militar nas Missões de Paz das Nações Unidas. O evento aconteceu nas dependências da Academia de Polícia Militar, em Porto Alegre. A palestra de abertura foi proferida pelo veterano Boina Azul Coronel PMDF Nelson Werlang Garcia. Em continuidade ao evento, oficiais da Brigada Militar veteranos de missão puderam expor aos presentes as experiências adquiridas nas missões de El Salvador, Haiti, Kosovo, Guiné Bissau e Timor Leste. O painel foi abrilhantado, ainda, pela participação via skype, com som e imagem, do Capitão Ricardo Freitas da Silva, veterano do Haiti, e que agora encontra-se cedido às Nações unidas, desempenhando função junto ao Alto Comissariado dos Direitos Humanos em Genebra. Os problemas de internet aqui em Akobo - UNMISS - não permitiram minha participação ao vivo, mas enviei um texto e fotos para que o Capitão Osório pudesse dar algumas informações a respeito da Missão da ONU aqui no Sudão do Sul. O texto é o seguinte:
"Atualmente desempenho a função de United Nations Police – UNPOL - na Missão de Paz da ONU no Sudão do Sul, aonde cheguei no último dia 27 de março para uma estadia de 12 meses. Esta é minha segunda missão, pois estive no Haiti no período de junho de 2007 a junho de 2008. Esta experiência prévia está me possibilitando a comparação entre a estrutura das duas missões e a missão do UNPOL em cada país. E de fato são duas missões bem diferentes. A começar pelo fato de a UNMISS ser uma missão desarmada, ao contrário da MINUSTAH onde os UNPOLs portam o armamento que utilizam em país de origem. 
O Sudão do Sul é o mais novo país aceito na comunidade de nações. Conseguiu sua independência do Sudão em 09 de julho do ano passado, após mais de 20 anos de guerra civil. A separação foi decidida em um plebiscito onde a população escolheu, com mais de 90% dos votos, a independência. Mesmo com a independência sendo parte de um acordo de paz, a paz está longe de ser realidade na fronteira entre os dois países. O motivo é a demarcação da fronteira e a divisão dos campos de petróleo existentes na área. Uma semana antes da declaração oficial da independência do Sudão do Sul, o Sudão enviou tropas militares para a região de Abyei, rica em poços em atividade de extração, região que pelo acordo pertenceria ao sudão do Sul. Mesmo com a promessa de retirada, isso até hoje não ocorreu. Acirrando os ânimos na fronteira.
Durante a guerra civil o sul possuía uma milícia rebelde que lutou intensamente contra o domínio do norte. Após a independência esta milícia rebelde tornou-se o exército regular do Sudão do Sul. A polícia local é formada também por estes ex-rebeldes. Em 2006, após a assinatura do tratado de paz que iniciou o processo que culminou com a independência, o governo provisório do sul buscou nas fileiras da milícia rebelde voluntários para comporem o efetivo da recém criada SSPS – South Sudan Police Service. Ou seja, estes homens e mulheres anoiteceram rebeldes e amanheceram policiais, com todos os deveres e responsabilidades da função. Um sinal desta herança militar recente é que o fato de a polícia sul-sudanesa não usar revólveres, pistolas ou qualquer tipo de arma curta. Todos ostentam apenas os famosos AK-47.

Deste então a ONU vem treinando estes policiais de maneira direta, no transcorrer do serviço, no acompanhamento das atividades diárias, tentando passar o mínimo de conhecimento necessário para que estes desempenhem suas atividades com respeito as direitos humanos e com um mínimo de técnica policial. Nosso trabalho como Police Advisor, Conselheiro policial, é executar as atividades de treinamento da polícia sul - sudanesa. Este treinamento, embora padronizado pela ONU, difere de local para local, de acordo com a estrutura que encontramos, normalmente precária, e condições do efetivo policial. Essa atividade é denominada de “co-location”. 
Quanto à estrutura, a UNMISS possui um Quartel General na capital, Juba, e bases regionais nas capitais dos 10 Estados do Sudão do Sul. Cada Estado possui ainda, em média, três County Support Base – CSB. Que são bases avançadas em cidades do interior. Atualmente existem 28 CSB, mas o projeto é chegar em 42 até o início de 2013. Após o treinamento inicial (Induction Training), eu e o Capitão Jonas da PMSC, fomos designados para o CSB Akobo, cidade com aproximadamente 15 mil habitantes situada no Estado de Jonglei, na parte leste do país, na divisa com a Etiópia. Aqui em Akobo estamos a apenas 6 km da fronteira. Os desafios são grandes, a começar pelo idioma. Em todas as atividades externas precisamos do auxílio de um tradutor. Aqui em Akobo temos dois. O idioma oficial do Sudão do Sul, após a independência, é o inglês. No entanto, a população adulta fala somente o idioma de sua tribo e um pouco de árabe, com o qual todos conseguem se comunicar, resquícios do tempo em que faziam parte do Sudão do Norte e que é islâmico. O sul é católico. São mais de 30 tribos espalhadas pelo país. 
Nosso trabalho diário aqui em Akobo é acompanhar as atividades da polícia local, tanto no quartel central quanto nos postos de policiamento espalhados na região. Durante estes contatos com os policiais (foto acima) transmitimos o conhecimento através de conversas com pequenos grupos sobre diversos assuntos que englobam direitos humanos, direitos de pessoas presas, direitos de crianças e mulheres, uso da força, uso de algemas, busca pessoal, revista e prisão de suspeitos, preservação do local de crime, entre outros. Sempre seguindo o padrão de treinamento determinado pelas Nações Unidas. Não podemos realizar, por enquanto, um treinamento mais sofisticado, pois a maioria dos policiais são analfabetos, pelo menos aqui em akobo, mas a realidade do país não é muito diferente. Por isso o método da conversa se mostra o mais eficaz.
Com relação à estrutura da nossa base, ela é totalmente cercada, com guaritas nas extremidades, com guarda 24 hs executada por uma Companhia do Exército indiano. O efetivo UNPOL está alojado em duas barracas, com estrutura de ar condicionado e ventiladores de teto, sem os quais ficaria impossível permanecer no interior durante o dia, pois a temperatura ultrapassa os 45 graus facilmente. Recebemos semanalmente dois vôos de abastecimento, nos quais nos enviam água potável da capital do Estado. A água utilizada para banho, lavar roupas e lavar a louça é a mesma utilizada pela população local. E temos que buscá-la duas vezes ao dia em uma das bicas públicas existentes na cidade. Todo UNPOL designado para um CSB é orientado a trazer seus gêneros alimentícios que o possibilitem passar no mínimo um mês, sem a necessidade de compras. Nas bases existentes nas capitais existem restaurantes, mas nos CSB temos que preparar nossa própria alimentação. Outra dificuldade é que nossa energia elétrica é fornecida por geradores, os quais são desligados duas vezes ao dia (09:00 às 12:00 e das 16:00 às 19: hs) para economia de combustível. Temos banheiros, mas não temos sistema de água encanada. Se usar o banheiro tem que dar a descarga com um balde de água. Banho só de caneca. Mas isso faz parte da missão, já estamos plenamente acostumados.
Somos 09 UNPOLs aqui em Akobo. Dois brasileiros, dois Bósnios, dois de Uganda, dois das Filipinas e um da Turquia. O contato com estes policiais nos proporciona um conhecimento aprofundado de cada sistema policial nos diferentes países, como cada instituição policial trata determinado assunto, segundo sua cultura e lei nacional.
Tenho abastecido o facebook (facebook.com/cap.marco) com mais freqüência que o blog, pois é mais fácil para mim, devido aos problemas de conexão de internet. A ONU não autoriza o uso de seus computadores para fins particulares, sendo que sites como o MSN e Facebook estão bloqueados. Utilizamos aqui modens 3G que cada um teve que comprar na capital Juba. A velocidade de conexão gira em torno de 15 kbps, ou seja, para carregar uma foto de 250 kb, levo em torno de 5 minutos.
Boa tarde a todos!
Capitão Marco Morais – UNPOL
UNMISS - 2012"

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Capitão Marco
É bom saber que o Senhor também sabe o que passamos ai... missão pra poucos esta... com certeza...
Parabéns

Lauro Pedot disse...

Caro Cap Marco, fico feliz por poder obter informações sobre a missão, através do blog e do Facebook. Cada vez mais admiro este honrado e heróico trabalho. Saúde e força a todos os nobres integrantes da UNMISS.