segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Costa do Marfim: Presidente expulsa ONU do país

O Presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, exigiu que a ONU retire imediatamente suas tropas do território marfinense. A exigência, no último sábado, foi feita através da porta-voz da presidência, Jacqueline Oble, em comunicado transmitido pela rede de TV estatal. Segundo Oble, a ONU e a França estariam conspirando contra o governo ao apoiarem rebeldes e ressaltou que ambas “interferiram seriamente nos assuntos internos da Costa do Marfim”.
Em comunicado Oficial emitido na noite de sábado, O Secretário Geral da ONU, Ban Ki Moon, reiterou que a ONU irá permanecer no país e cumprir o seu mandato. O comunicado dizia que “A missão da ONU, UNOCI, completará seu mandato e seguirá monitorando e documentando qualquer violação aos direitos humanos, incitação ao ódio e à violência, assim como os ataques contra as forças de paz da ONU”. Horas antes, patrulhas da UNOCI foram atacadas com tiros ao chegar na sede da ONU em Abidjan, sendo que não houve relato de feridos. Sobre estes ataques aos capacetes azuis, o comunicado ressaltou que “Ban está profundamente preocupado com os ataques contra uma patrulha das Nações Unidas e sentinelas da ONUCI executados por elementos das forças da Costa do Marfim, ao que parece as forças leais a Gbagbo. Haverá consequências para aqueles que cometeram ou planejaram tais ações ou o façam no futuro.”


ENTENDA O PROBLEMA
Laurent Gbagbo se tornou Presidente da Costa do Marfim em 2000, após eleições marcadas por polêmicas. Em 2002, após tentativa frustrada de golpe de Estado, o país se dividiu entre o sul, leal ao Gbagbo, e o norte, sob comando dos rebeldes.
O mandato de Gbagbo deveria ter sido concluído em 2005, no entanto as eleições presidenciais foram adiadas seis vezes, até que se realizasse o primeiro turno em 31 de outubro desde ano. Houve a necessidade de realização do segundo turno em 28 de novembro, sob supervisão da ONU, a quem caberia certificar o resultado final. A contagem dos votos apontou a vitória do candidato da oposição, Alassane Ouattara, com 54,1% dos votos. Este resultado foi reconhecido oficialmente pelo Representante do Secretário Geral da ONU – SRSG – na UNOCI, Choi Young-Jin, bem como pela comunidade internacional.
No entanto, Laurent Gbagbo se recusou a reconhecer o resultado, alegando que as eleições foram fraudadas pelos rebeldes que dominam o norte do país desde a guerra civil de 2002, solicitando ao Conselho Constitucional, órgão da Justiça comandando por um de seus aliados, que revisasse os votos. O pedido de revisão foi analisado e resultou na anulação de cerca de 500 mil votos dados à Ouattara, fazendo com que Gbagbo passasse a ser o vencedor com 51% dos votos. A decisão da Justiça da Costa do Marfim provocou reações da comunidade internacional, que pediu que Gbagbo aceitasse o resultado das urnas. Sem ouvir os apelos, o candidato tomou posse para o novo mandato de cinco anos. Ao mesmo tempo, Ouattarra também fez o juramento constitucional e se recusa a aceitar a revisão do resultado.
Em consequência desta controvérsia, ambos os candidatos se proclamaram vencedores. No dia 04 de dezembro, Gbagbo tomou posse em cerimônia oficial transmitida pela TV Estatal (foto esquerda) e Ouattara assumiu a presidência em cerimônia realizada no Hotel Golf com a presença de seus partidários (foto direita).
A situação de ter um presidente de fato (Gbagbo) e outro eleito (Ouattara), o qual é reconhecido pela ONU e pela comunidade internacional, fez com que as últimas duas semanas fossem de extrema tensão na capitão Abidjan. As tropas da ONU tiveram que reforçar a segurança em torno do Hotel Golf, onde está sediado o quartel general de Ouattara, como mostra a primeira foto (Sia Kambou - AFP). Ocorreram, ainda, enfrentamentos entre forças leais à Gbagbo e partidários de Ouattara na região próxima ao hotel. Militares e policiais leais ao atual presidente, Gbagbo, não descartam realizar uma açao de tomada do prédio, motivo pelo qual a tensão aumenta com o passar dos dias.

Já a segunda foto (Schalk van Zuydan - AP) e a terceira (Thierry Gouegnon - Reuters) mostram as tropas da ONU estacionadas no entorno do hotel Golf.


A tensão tomou conta das ruas de Abidjan, onde partidários de Ouattara protestaram contra o atual governo e pediram para que o líder oposicionista fosse empossado como novo presidente. Policiais e militares leais ao governo reprimiram os protestos com violência, como mostras a foto abaixo (Issouf Sanogo - AFP) e a seguinte:

A Alta Comissária da ONU para os direitos humanos, Navi Pillay, declarou ontem que "Depois dos violentos acontecimentos de quinta-feira (16) que causaram dezenas de mortos, centenas de partidários do Presidente eleito Alassane Ouattara e parentes dos mesmos foram raptados, particularmente durante a noite".
Segundo o Primeiro-Ministro designado por Ouattara, Guillaume Soro, antigo líder da guerrilha vulgarmente conhecida por Forças Novas (FN), disse ser preciso que a comunidade internacional se conscietize de que está perante “uma verdadeira loucura assassina” por parte de Gbagbo e que advertiu que a Costa do Marfim pode se transformar em uma segunda "Ruanda", em referência ao genocídio de 800.000 ruandenses em 1994.

SANÇÕES INTERNACIONAIS
O fato de o atual presidente recusar-se a deixar o cargo já gerou várias sanções no campo diplomático contra a GbaGbo. A União Africana suspendeu a Costa do Marfim por tempo indeterminado até que Alessane Ouattara assuma o poder. O Presidente dos EUA, em carta enviada a Gbabo, enfatizou que poderão ser adotadas sanções contra a Costa do Marfim caso ele continue com o intento de não reconhecer o resultado das urnas. A União Européia, por sua vez, em reunião realizada com a presença de 27 representantes de Estado, decidiu suspender o visto de Gbagbo para todo o território europeu. Esta sanção se estende a 18 colaboradores e familiares do atual presidente da Costa do Marfim. Além disso, deu prazo até o dia de ontem para que Gbagbo reconhecesse Ouattara com vencedor da eleição.
FUGA DA POPULAÇÃO
O clima de tensão ao qual está submetida a população marfinense, com a ameaça de uma nova guerra civil, já reflete nos países com os quais a Costa do Marfim faz fronteira. Segundo o ACNUR, órgão das Nações Unidas que trata das questões envolvendo refugiados, em nota Oficial emitida no dia 10 de dezembro por seu porta-voz, Andrej Mahecic, até aquela data cerca de 2.000 pessoas, na maioria crianças e mulheres, já haviam deixado o país em direção à Libéria e à Guiné Conacky. Cerca de 1.700 cruzaram para o condado de Nimba, no nordeste da Libéria, enquanto outras 200 chegaram à região de Nzerekore, na Guiné, após dois dias de caminhada.
Em entrevista ao Jornal Diário Catarinense no último sábado (18), a Embaixadora do Brasil na Costa do Marfim, Maria Auxiliadora Figueiredo, declarou que a situação é tensa e que os cerca de 100 brasileiros que vivem no país foram orientados a não sair de casa. Segundo a Embaixadora, "o governo legítimo convocou manifestações para retomar a TV estatal. O governo "de fato" quer preservar a emissora e outras instituições. É uma situação tensa. É perigoso sair à rua".
Com relação à possibilidade de uma saída diplomática para a crise, a Embaixadora Maria Auxiliadora declarou que "O governo "de fato" se diz disposto a dialogar, mas é um diálogo que parte do pressuposto de que Laurent Gbagbo seja reconhecido como presidente".
A ONU e a comunidade internacional tem uma excelente oportunidade para desfazer a imagem negativa deixada pela inércia inicial no caso de Ruanda, o qual resultou na morte de mais de 800.000 pessoas. No caso da Costa do Marfim a ação deve ser enérgica e rápida a fim de evitar que uma nova guerra civil tome conta do país, pois como sabemos, em qualquer situação bélica é a população civil quem sofre as maiores consequências.
Não temos UNPOLs brasileiros na Costa do Marfim, no entanto, segundo o site Forças Terrestres, o Brasil participa da UNOCI , desde outubro de 2003, com sete militares, sendo um da Marinha; um do Exército e um da Força Aérea no Estado-Maior da força de Paz, e três do Exército e um da Marinha como observadores militares - MilOb.

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