domingo, 27 de junho de 2010

Histórias de Missão: A chegada inusitada em Porto Príncipe

Durante a semana que passou, mais especificamente no dia 23 de junho, completaram exatos 3 anos de minha chegada em Porto Príncipe para me integrar a Missão de Paz da ONU no Haiti -MINUSTAH. Já nos primeiros dias de missão comecei a escrever uma espécie de diário onde relatava as impressões sobre o dia-a-dia. O primeiro texto que produzi foi exatamente sobre a viagem e a recepção na capital haitiana, as quais foram cheias de percalços. Compartilho agora com os amigos esta experiência, a qual poderia se encaixar perfeitamente na série "só acontece comigo":
"O período de viagem, entre o embarque e desembarque de aeronaves nas conexões e o tempo perdido nas alfândegas, é o momento em que o policial tem o tempo para refletir e imaginar o ambiente que o espera, as dificuldades que poderá enfrentar e as conquistas profissionais e pessoais que almeja alcançar.
Para nós brasileiros, na maioria das vezes, a viagem é em grupo, fato que ajuda a superar alguns percalços como, por exemplo, o idioma. Cada policial chega a esta fase do processo trazendo consigo um conhecimento prévio sobre a língua estrangeira ligado a realidade que vivencia. Muito embora o teste de seleção aplicado pelo COTER tenha selecionado os mais aptos, alguns policiais veem na viagem de ida para a missão a primeira oportunidade de testar realmente a fluência no idioma fora do país.
Para mim a viagem de ida foi diferente e angustiante, pois não havia outro policial brasileiro comigo e tive que superar os obstáculos sozinho. Esta foi a minha primeira viagem ao exterior, excluindo-se os países de língua espanhola que compõem o mercosul, dos quais tive a oportunidade de conhecer Argentina, Uruguai e Chile. A experiência, apesar de penosa, foi gratificante, pois quanto antes você é testado sobre sua fluência no idioma estrangeiro, mais rápida será sua adaptação ao ambiente de trabalho.
Minha viagem e chegada ao Haiti, bem como meu primeiro contato com a MINUSTAH foram marcantes. Já de início senti os rigores da mudança climática, pois ao desembarcar no aeroporto internacional Toussaint Louverture encontrei um calor escaldante de 42°C. Vinte quatro horas antes eu havia embarcado em Porto Alegre sob uma temperatura de apenas 5°C, normal para o final do outono gaúcho.
A temperatura talvez fosse o prenúncio da situação que eu estava prestes a enfrentar, pois não bastasse o calor, não havia ninguém da Unidade de Induction Training para me receber. Cabe destacar que naquela situação o erro não pode ser atribuído à unidade. O fato é que embarquei no Brasil em pleno início do caos aéreo ocorrido em junho de 2007 em todo o país. Atrasos e cancelamentos de vários vôos ocorreram no dia do meu embarque em Guarulhos, principalmente os com destino à américa do norte e europa. No meu caso específico, o voo sofreu um atraso de aproximadamente duas horas e meia, período em que ficamos dentro da aeronave esperando ordem da torre para inicar os procedimentos de decolagem. A consequência disso foi a perda da conexão em Miami.
Cheguei em Porto Príncipe três horas após o previsto e, como não tive como avisar o setor de pessoal da missão ou mesmo os brasileiros que estavam lá, não havia ninguém me esperando.
A situação no lado de fora do aeroporto era confusa, do ponto de vista do que conhecemos como portão de desembarque internacional aqui no Brasil. Muitas pessoas se aglomeravam sob um toldo verde para se proteger do sol forte enquanto esperavam parentes e amigos que chegavam de viagem (fotos abaixo). A estas pessoas, porém do lado de dentro da cerca e próximo aos passageiros, somavam-se muitos carregadores de malas se acotovelando a fim de conseguir alguns clientes. Além disso, a língua falada era o creóle (derivação do francês), um dos idiomas oficiais do Haiti e que até aquele momento era totalmente estranho para mim. As pessoas falavam alto dando a impressão que estavam brigando entre si.
Esperei por cerca de 30 minutos na parte interna do aeroporto próximo à porta de saída e, como ninguém apareceu para me receber, resolvi sair e buscar auxílio para chegar a alguma unidade da ONU. Avistei um policial haitiano em frente ao portão de desembarque e me dirigi a ele na esperança que falasse inglês, no momento em que pus o pé para fora do aeroporto fui literalmente “atacado” pelos carregadores de mala os quais buscavam nada mais que alguns dólares. A atitude dos carregadores, depois tive a oportunidade de verificar várias vezes, era normal naquela situação. Pareciam estar brigando entre si, no entanto não faziam aquilo com má intenção, apenas buscavam um cliente. Confesso que fiquei um pouco assustado no começo.
Para minha sorte o policial a que me dirigi, e muitos outros que conheci no decorrer da missão, falava inglês fluentemente. Expliquei a ele meu problema e o mesmo demonstrou interesse em me ajudar.
Primeiramente o policial me perguntou se eu tinha algum número de telefone ou o endereço de onde queria ir. Respondi-lhe que queria chegar até o quartel da MINUSTAH e que não dispunha de outras informações. Em vista disso ele se dispôs a conseguir um táxi para mim e eu aceitei a sugestão, pois não vislumbrava alternativa melhor para resolver o problema. Então o policial aconselhou-me a permanecer próximo ao portão de saída e logo após sumiu no meio da multidão. Passado alguns instantes ele retornou trazendo consigo um taxista. Neste momento minha camisa já estava encharcada de suor.
Agradeci ao policial e sai dali com o motorista em direção ao táxi que estava estacionado a uns 60 metros do local. No trajeto o taxista foi cercado pelos carregadores de mala, os quais se mostravam indignados com a situação dele estar carregando minhas malas e, desta forma, lhes tirando o cliente. Alguns xingamentos daqui e outros dali, chegamos ao táxi. Neste momento descobri que meus problemas estavam apenas começando, pois o taxista falava somente creóle e francês. E eu, naquele momento, mal sabia dizer bonjour (bom dia). A única palavra que eu falava e o taxista entendia era MINUSTAH.
Iniciamos o deslocamento e logo me deparei com outro problema, eu tinha somente notas de 20 dólares e o taxista não tinha troco suficiente. Em decorrência disso o condutor tomou a iniciativa de parar em uma esquina próxima do aeroporto e logo surgiram três ou quatro pessoas com maços de dinheiro na mão, eram os cambistas. Quando entendi o que estava acontecendo entreguei uma nota de 20 dólares a um dos homens e este entrou em uma viela e sumiu no interior da vila, logo retornou com a mão cheia de gourdes (a moeda haitiana). Até aquele momento eu não tinha mínima idéia da cotação do gourde em relação ao dólar, porém em pouco tempo eu saberia que o cambista fez o câmbio de maneira correta, sem ficar me devendo nenhum centavo.
Reiniciado o deslocamento e o nosso “diálogo” resumido à palavra MINUSTAH, logo avistei algumas viaturas brancas com o símbolo da ONU na avenida em que estávamos trafegando. Pedi ao taxista que parasse pronunciando várias vezes a palavra “STOP”, o que ele, aparentemente, entendeu, parando o táxi.
Desembarquei do veículo fiz sinal para uma viatura e o condutor parou, era um militar que falava espanhol, não identifiquei a nacionalidade, ao qual expliquei o que estava ocorrendo. O referido militar me disse que aquela situação não era normal e que deveria ter alguém do Induction Training me esperando. No entanto, mesmo estando sozinho na viatura, não se ofereceu para me ajudar ou me dar uma carona até uma das bases da ONU.
Retornei ao táxi, conformado com a situação, mas apreensivo com o seu desfecho, e reiniciamos o deslocamento para algum lugar que eu não tinha a mínima idéia de onde ficava ou quanto tempo levaria. Em determinado momento, após uns 5 minutos de viagem avistei um quartel da ONU, e para minha surpresa avistei a bandeira brasileira pintada no muro. Minha salvação! Novamente falei repetidas vezes a palavra “stop” e “Brasil”, ao que o taxista entendeu e parou o táxi em frente ao portão das armas.
Era o quartel da Companhia de Fuzileiros Navais brasileiros. Paguei ao taxista a corrida no valor aproximado de 10 dólares e desloquei até a sentinela de plantão. Ao me identificar fui prontamente acolhido pelo efetivo da guarda e pelo Oficial de serviço, os quais ficaram espantados com a minha história e a maneira como havia chegado até ali. Como já passava do meio dia o comandante me convidou para almoçar e, por ironia do destino, o cardápio servido era churrasco, ou seja, a primeira refeição que fiz em solo haitiano foi um suculento churrasco, comida típica do meu Estado.
Enquanto almoçávamos e eu contava os detalhes da minha história ao comandante, o Oficial de serviço entrou em contato com o Quartel General da ONU e informou a respeito da minha situação. O Oficial responsável pelo setor de operações dos fuzileiros navais conhecia dois (Ten PMDF Carrera e Cap BMRS Freitas) dos três policiais brasileiros que já se encontravam há seis meses na missão. Então ligou para um deles e em 15 minutos chegou uma viatura da UNPOL com o capitão Freitas, Oficial da minha turma de Academia de Policia Militar, e que já estava preocupado com a minha demora e a falta de contato após o embarque no Brasil.
Após este percalço as coisas seguiram o rumo natural e fui logo engajado no treinamento da semana inicial."

3 comentários:

Anônimo disse...

Irmão Marco,

Grande história e que boa lembrança de nossa misssão no Haiti.
Vou te mandar umas também.
Um forte abraço,

TC Braga

Anônimo disse...

Marco ...3 anos ...o tempo passa muito rapido..parece que foi ontem que ti vi to suado e sujo na base dos fuzileiro ...parecia um mendigo comendo um resto de carne...peco desculpas a culpa foi minha...eu contei co o Pit Cyr para te buscar ...hehehe.

Major Marco disse...

Pois é, eu sei disso, na real quiseram me dar um trote, mas o canadense foi embora antes e me deixou sozinho.
mas a experiência foi muito válida..hehehehe

grande abraço

Marco