No último dia 29 de maio a ONU comemorou o Dia Internacional do Boina Azul. Neste ano a mensagem do Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon, homenageou a todos os homens e mulheres que perderam suas vidas a serviço da paz. Em especial, Ban Ki Moon homenageou aos Boinas Azuis que pereceram no Haiti em decorrência do Terremoto de janeiro. Esta foi a maior tragédia da história das Operações de Paz, contou com mais de 90 baixas entre os integrantes da MINUSTAH.
Para nós gaúchos, este também foi um dia para relembrar dois veteranos Boinas Azuis da Brigada Militar, TCel Franco e TCel Zazyck, os quais infelizmente perderam a vida prematuramente em um acidente de trânsito justamente no dia 29 de maio do ano passado, quando estavam em deslocamento do interior do Estado para Porto Alegre onde seriam homenageados pelo Comando Geral na Academia de Polícia Militar em solenidade alusiva ao Dia Internacional dos Boinas Azuis. Na época ainda não escrevia este blog, mas o Capitão Sérgio Carrera noticiou o fato no blog Missão de Paz.
Ambos estiveram na Missão de Paz da ONU em El Salvador entre junho de 1993 e junho de 1994. O TCel Franco (foto acima no dia do medal parade) trabalhou, em um primeiro momento, na cidade de Chalatenango, uma das quais fora base da Guerrilha. Sua missão era a de ajudar na reestruturação da Nova Polícia a ser criada no pós guerra civil, a PNC- Polícia Nacional Civil de El Salvador. Após alguns meses foi removido para a cidade de Santana, a 2ª maior do país,a fim de integrar a Unidade de Direitos Humanos, cuja finalidade era a de investigar o descumprimento dos acordos de paz e os crimes cometidos,tanto por parte de guerrilha como por parte das forças governistas. Em um dos e-mails que o TCel Franco me enviou nas semanas que antecederam ao acidente, ele destacou "É importante ressaltar que, nessas ocasiões, haviam grandes riscos, uma vez que, estávamos “ metendo a mão em cumbuca...”. Após sua aposentadoria, em 2004, o TCel Franco dedicou-se à política, tendo sido Presidente da Câmara de Vereadores de sua cidade natal, Lavras do Sul. Também dedicou parte de seu tempo para escrever crônicas para um jornal local. Entre seus textos já publicados, ele havia me enviado dois, nos quais ele escreve sobre o período em que esteve a serviço da ONU. Através dos textos podemos ter uma idéia de como eram as missões de paz naquela época. Realmente eram outros tempos! Abaixo transcrevo o primeiro texto.
"Vivências....
Nos anos de 1993 e 94, este que semanalmente vos escreve, participou de uma missão de paz da ONU, na América Central, em El Salvador. Aquele país passava por um período de redemocratização, depois de uma violenta guerra civil que durou mais de 12 anos, onde morreram mais de 70.000 pessoas, ficando outras tantas mutiladas. Intermediados pelas Nações Unidas, governo e guerrilha assinaram Tratados de Paz, os quais eram fiscalizados pelos observadores. Parte dos referidos tratados determinava que milhares de combatentes, tanto das Forças Armadas, como da guerrilha – Frente Farabundo Martin para Libertação Nacional – FMLN, fosse desmobilizada. Aconteceu que aqueles contingentes, de repente perderam o emprego, porém, resultaram armados, diga-se de passagem, “até os dentes”. Começaram então, clandestinamente, a matarem os seus desafetos, bem como a cometerem assaltos, pois não tinham outra forma de sobreviver. Esqueceram as autoridades daquele país deste pequeno detalhe, quando resolveram restaurar a paz. Nossa missão, apesar da situação de risco, era desarmada; tínhamos que valer-nos do diálogo para resolver qualquer questão. Nosso comandante era um General Uruguaio, mucho buena gente, chamado Homero Vaz, cuja família era de Rio Branco, no Uruguai, mas nascido em Jaguarão, no Brasil, o que fazia com que nos tratasse como irmãos em uma Força Tarefa composta por Policiais e Militares de vários países. Pois, de uma feita, realizávamos uma Patrulha por uma “Carretera” quando, ao final de um túnel verificamos uma barreira, construída com paus e pedras. Não constava em nossos controles tal barreira. Homens fortemente armados barravam a passagem dos veículos. Logo vimos de que se tratava de um assalto, tão comum por aquelas bandas. Não podíamos voltar. Pararam nosso veículo, mandaram que descêssemos, com Fuzis AK-47 apontados para nós. Eu, que dois anos antes já havia passado por uma situação semelhante, sendo seqüestrado e torturado ( diga-se de passagem por irmãos da FMLN, aqui no Brasil, o MST), logicamente estava bastante apreensivo, porém, não adotava qualquer atitude, uma vez que estava acompanhando o General. Apenas o observava, com receio e, sobretudo, curioso para ver o desfecho. Depois de alguns minutos de silêncio, tal a perplexidade de ambas as partes, visto que nós não esperávamos ser assaltados por tais bandos, e eles por sua vez, ex combatentes, talvez também não esperassem abordar um veículo da ONU, em que estivesse um General. Então de repente, com a voz grave que tinha, disse o Oficial: “ Sus mierdas, bajem sus armas y deje-nos passar, despues cerrem la carretera y continuem com los assaltos”. Pois, como se fossem subordinados, disciplinadamente cumpriram a “ordem”. Seguimos em frente; claro que logo após, o General determinou que tropas regulares fossem até o local para desarticular o bando. Mas, tenho a dizer: “Que foi um cagaço, ah isto foi!” Mas, ao mesmo tempo, pensei com meus botões sobre a atitude do Comandante: “ vivendo e aprendendo!”. No primeiro boteco em que passamos chegamos para“ mojar la palabra”, ou seja, tomar uma pinga para acalmar os nervos, pois afinal de contas ninguém é de ferro.
João Francisco Franco
Colaborador"
"Vivências....
Nos anos de 1993 e 94, este que semanalmente vos escreve, participou de uma missão de paz da ONU, na América Central, em El Salvador. Aquele país passava por um período de redemocratização, depois de uma violenta guerra civil que durou mais de 12 anos, onde morreram mais de 70.000 pessoas, ficando outras tantas mutiladas. Intermediados pelas Nações Unidas, governo e guerrilha assinaram Tratados de Paz, os quais eram fiscalizados pelos observadores. Parte dos referidos tratados determinava que milhares de combatentes, tanto das Forças Armadas, como da guerrilha – Frente Farabundo Martin para Libertação Nacional – FMLN, fosse desmobilizada. Aconteceu que aqueles contingentes, de repente perderam o emprego, porém, resultaram armados, diga-se de passagem, “até os dentes”. Começaram então, clandestinamente, a matarem os seus desafetos, bem como a cometerem assaltos, pois não tinham outra forma de sobreviver. Esqueceram as autoridades daquele país deste pequeno detalhe, quando resolveram restaurar a paz. Nossa missão, apesar da situação de risco, era desarmada; tínhamos que valer-nos do diálogo para resolver qualquer questão. Nosso comandante era um General Uruguaio, mucho buena gente, chamado Homero Vaz, cuja família era de Rio Branco, no Uruguai, mas nascido em Jaguarão, no Brasil, o que fazia com que nos tratasse como irmãos em uma Força Tarefa composta por Policiais e Militares de vários países. Pois, de uma feita, realizávamos uma Patrulha por uma “Carretera” quando, ao final de um túnel verificamos uma barreira, construída com paus e pedras. Não constava em nossos controles tal barreira. Homens fortemente armados barravam a passagem dos veículos. Logo vimos de que se tratava de um assalto, tão comum por aquelas bandas. Não podíamos voltar. Pararam nosso veículo, mandaram que descêssemos, com Fuzis AK-47 apontados para nós. Eu, que dois anos antes já havia passado por uma situação semelhante, sendo seqüestrado e torturado ( diga-se de passagem por irmãos da FMLN, aqui no Brasil, o MST), logicamente estava bastante apreensivo, porém, não adotava qualquer atitude, uma vez que estava acompanhando o General. Apenas o observava, com receio e, sobretudo, curioso para ver o desfecho. Depois de alguns minutos de silêncio, tal a perplexidade de ambas as partes, visto que nós não esperávamos ser assaltados por tais bandos, e eles por sua vez, ex combatentes, talvez também não esperassem abordar um veículo da ONU, em que estivesse um General. Então de repente, com a voz grave que tinha, disse o Oficial: “ Sus mierdas, bajem sus armas y deje-nos passar, despues cerrem la carretera y continuem com los assaltos”. Pois, como se fossem subordinados, disciplinadamente cumpriram a “ordem”. Seguimos em frente; claro que logo após, o General determinou que tropas regulares fossem até o local para desarticular o bando. Mas, tenho a dizer: “Que foi um cagaço, ah isto foi!” Mas, ao mesmo tempo, pensei com meus botões sobre a atitude do Comandante: “ vivendo e aprendendo!”. No primeiro boteco em que passamos chegamos para“ mojar la palabra”, ou seja, tomar uma pinga para acalmar os nervos, pois afinal de contas ninguém é de ferro.
João Francisco Franco
Colaborador"
Abaixo podemos ver parte do contingente de Oficiais da Brigada Militar que integrava a UNOSAL em 1994, todos capitães na época, no dia do recebimento da medalha da ONU. O senhor em primeiro plano é o General uruguaio a que o TCel Franco se referiu em seu texto. Na foto podemos vizualizar (da esq. para dir.) o Cap Prates - (Ex-chefe da Casa Militar), cap Neibson, Cap Ferreira (ex-Cmt da Força Nacional de Segurança Pública), Cap Prola, Cap Gastão Viegas, Cap Zazycki e o Cap Franco.Ao TCel Zazyck e ao TCel Franco o nosso respeito e nossa homenagem!
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